1998/2001 – The Last of the Rock Stars

Páginas 303 a 311

Bono: A capa do álbum é esteticamente simples, sem nada daquela iconografia do tipo Mount Rushmore que algumas pessoas associam ao U2. Nós estamos em um aeroporto, nos divertindo. Eu gosto do bom humor do Larry. Ele está meio que me observando por trás das minhas costas e eu acenando com o meu passaporte. Isso é no terminal Roissy no aeroporto Charles De Gaulle, projetado pelo arquiteto francês Paul Andreu, de quem eu sou fã. Eu tenho uma coisa por aeroportos, assim como eu tenho uma coisa por hotéis – eu passo a maior parte da minha vida neles. O aeroporto é a primeira coisa que você vê quando chega à uma cidade.

Quando você vai ao terminal Roissy, com o seu tipo de concreto aveludado, você percebe a diferença que o design faz na vida das pessoas. É uma poesia para um aeroporto. E ele se encaixa com o título perfeitamente. Qual o destino? O futuro. E então, só porque para fazer qualquer propaganda se paga, eu pensei em colocar o número do telefone de Deus no relógio digital do aeroporto. J33-3. É Jeremias 33-3. O evangelho é ‘Ligue para mim e eu irei responder’. É um telefonema celestial. O vídeo de’Beautiful Day’ foi filmado na pista de decolagem, e eu não acredito que nós conseguimos permissão para isso. O Concorde tinha sofrido o acidente recentemente e eles ainda estavam muito sensíveis com a pista. Esse foi um lindo dia, literalmente. Eu tinha um personagem em mente, que era só um pouco cru, um tipo de uber-Bono. A minha cena favorita, que foi feita espontaneamente, foi aquele em que me deito na esteira das bagagens e sou levado por aquele buraco escuro por onde as bagagens passam. Todo mundo quer passar por aquele buraco, não quer?

Adam: ‘Beautiful Day’ foi lançada e logo teve uma reação muito forte. Parecia que todos tinham adorado, eles não tinham escutando a banda tocar assim desde, provavelmente o Joshua Tree ou certamente desde o Achtung Baby.

Paul: Eu acho que foi uma grande idéia fazer um álbum que soasse como o U2 de novo. O álbum foi lançado em 31 de outubro de 2000 e foi direto para o número um em trinta e dois países.

Adam: Nós íamos nos apresentar no Grammy Awards em Los Angeles em fevereiro de 2001. Tínhamos três indicações com ‘Beautiful Day’ e nós realmente não achávamos que podíamos levar alguma coisa. Achávamos que íamos apenas subir no palco e tocar a nossa música. Mas nós ganhamos todos os três Grammies naquela noite. Foi um jeito maravilhoso de começar o ano.

Larry: Nós já tínhamos ganhado vários Grammies antes e é sempre maravilhoso ganhá-los, mas esse foi diferente. Depois do Pop, a América meio que perdeu o interesse pelo U2 e achavam que nós tínhamos empurrado o barco para muito longe. Nós nos sentíamos vulneráveis e um pouco abalados com o que tinha acontecido. Então, quando o All That You Can´t Leave Behind foi tão bem e ‘Beautiful Day’ ganhou esses Grammies, parecia como uma reafirmação nossa. Pela primeira vez em anos, eu me lembro de ter me sentido agradecido pelos gongos. Eu estava embaraçado por nunca ter os apreciado antes. Desde então, eu dou um grande valor aos prêmios e aos aplausos das pessoas de uma forma muito diferente.

Edge: O Bono surgiu com essa frase sobre conquistar novamente o emprego de melhor banda do mundo. Era uma boa frase... para aquele momento. Eu quero dizer, nunca é tão simples assim. Mas eu acho que nós sentíamos que tínhamos, até certo ponto, estragado tudo com o Pop, mas esse álbum era tão forte e direto que seria uma boa base para uma grande turnê. Tínhamos boas armas.

Bono: Há uma grande humildade e arrogância nessa frase. A humildade é em admitir que você perdeu. E a arrogância é em imaginar que você pode ter isso. Mas faz com que todo mundo fale sobre o assunto e isso faz parte do meu trabalho. Eles são? Eles podem ser? Como eles ousam? Está tudo bem. E uma das vantagens em se conseguir esse emprego de novo é poder reavaliar o que era bom ou não para uma banda de rock ‘n’ roll fazer. Nos últimos quinze anos, nós fizemos em média meia dúzia de entrevistas por ano. Nós ainda estávamos seguindo o modelo dos anos setenta do punk rock. A idéia era que você devia manter uma certa distância misteriosa, não se venda. Bom, nós decidimos nos vender no All That You Can´t Leave Behind e continuamos com isso até os dias de hoje. E a razão para isso é que o mundo mudou o rock ´n´ roll. Nós não estávamos apenas lutando pela sobrevivência da banda, estávamos lutando pelo seu formato. E você está brigando com pessoas que trabalham muito, muito duro. O hip hop estava por todo lugar. Se você não assiste esses programas de TV, outras pessoas assistem. Eu estava pensando sobre os nossos primeiros álbuns, onde nós fazíamos tudo que podíamos, todas as entrevistas, todas as rádios e qualquer programa de TV. De fato, é assim que qualquer banda de rock começa, seja os Beatles, o Sex Pistols ou o U2, depois a distância misteriosa se torna uma distância pomposa, onde você acha que não precisa mais fazer esse tipo de promoção, isso é para pessoas abaixo de você. É incrível o quão preguiçoso o rock ´n´ roll se tornou. Os artistas do hip hop possuem vídeos vendendo as suas músicas e no mesmo vídeo eles divulgam sua próxima música ou o próximo artista que assinou com o seu selo. Eles têm coleções de roupas. Eles são tão industriais. Essa era a forma como a música era nos anos sessenta, quando o The Rolling Stones aparecia num programa de TV entre o Engelbert Humperdinck e alguma apresentação de um mágico. Você tem que encontrar a energia da sua era e persegui-la.

Paul: Aprendendo com a experiência do Pop, nós decidimos começar com um show controlado, apenas em lugares fechados. Essas arenas americanas são perfeitas para o U2. Eu queria que tivesse uma dessas em cada cidade do mundo. O Bono gosta de tocar em estádios, ele realmente gosta. Existe alguma coisa de gladiador nisso que excita muito ele. Mas é muito difícil fazer um show em um estádio de futebol. Tem que ser um grande espetáculo e é difícil fazer o som ficar tão bom quanto seria, por exemplo, no Madison Square Garden.

Larry: Eu estava feliz por estar de volta às arenas. Esse álbum era para deixar as pessoas saberem que o experimento do Pop tinha acabado, e o essencial do U2 ainda eram os quatros membros da banda. As arenas parecia o lugar perfeito para se fazer isso. Nós fizemos algumas apresentações em alguns clubes para nos preparar para a turnê, uma coisa que não fazíamos desde o começo, The Man Ray Club em Paris, The Astoria em Londres e no Irving Plaza em Nova York. Tocar para cinqüenta mil pessoas é mais fácil do que quando comparado a tocar para duzentas e cinqüenta pessoas, quando o público consegue ver o branco dos seus olhos, eles podem ver o seu medo, eles podem ver tudo. Isso é assustador. A nossa música é feita para lugares grandes. Nós passamos o início da nossa carreira tentando nos livrar dos lugares pequenos.

Adam: Realmente era muito bom estar de volta aos lugares fechados, porque musicalmente, é um lugar muito mais fácil de se apresentar, estando em um palco pequeno em um prédio pequeno. Nem todo mundo concorda que as arenas são prédios pequenos, mas se tiverem vinte mil pessoas lá, você pode vê-los tão bem quanto eles podem te ver, então existe uma conexão. Uma vez que você vai para algum lugar maior com mais do que vinte mil pessoas, você não consegue ver o público e eles não conseguem te ver.

Edge: O álbum foi saudado como trazendo o U2 de volta às raízes, o que não era. E a turnê foi descrita como uma produção minimalista, o que, é claro, realmente não era. Isso é tudo relativo, e comparado ao Pop, nada seria parecido com de volta ao básico.

Larry: A Elevation Tour tinha um grande projeto. Eu gostei logo de cara quando o Willie Williams, o Bono e o Mark Fisher apresentaram os desenhos originais. A utilização do coração como uma pista para ir para o meio do público, e a forma como o coração era cheio de pessoas, era maravilhoso. Era quase como uma apresentação em um clube dentro de uma arena.

Paul: Nós conhecemos o Willie Williams quando ele era punk e era o responsável pela iluminação do Stiff Little Fingers. Ele nos procurou e disse, ‘Eu quero trabalhar para vocês’. No começo ele era um operador de iluminação e depois ele era o projetista de palco. Os nossos palcos não eram particularmente complicados naquela época, mas ele cresceu como um artista junto com a banda. A sua contribuição para as produções nesses anos tem sido imensa. Ele é um artista, a sua tela está no palco do rock ´n´ roll.

Edge: A idéia de começar o show com as luzes acesas surgiu apenas uma semana antes do primeiro show em Miami. E isso realmente funcionou. De uma forma bem súbita, isso fez uma grande declaração sobre a natureza do show e a natureza da relação entre a banda e o público, jogando fora todos aqueles artifícios, de volta para alguma coisa bem pessoal. Foi uma grande abertura.

Bono: Nós tínhamos feito várias pequenas apresentações. Elas começaram em Paris, tocando para algumas centenas de pessoas. Nós estávamos realmente voltando para o nosso começo. Clubes esquecidos, era como voltar para o Dandelion Market. O fato humilhante é que nós não éramos muito bons. E então, começamos a improvisar. Fizemos uma apresentação em Nova York para umas cem pessoas. Isso ainda não foi tão transcendente quanto deveria ter sido. Na época que nós voltamos para Londres, estávamos recebendo algumas críticas entusiasmadas, mas nós não estávamos queimando todos os cilindros. Era como fazer sexo com as luzes acesas. O que, é claro, pode ser muito excitante… mas não naquela noite. Nós tínhamos sido os campeões, tínhamos sido nocauteados, estávamos de pé, mas nossos pés ainda não estavam firmes. Isso foi um retorno ao ringue, mas não em escala mundial. O título da luta era Miami, 24 de março de 2001, a primeira noite da Elevation Tour. Tinha uma conferência de DJs acontecendo em Miami, parecia que todos os DJs do mundo estavam lá, mas todos eles fugiram e foram ver o U2 tocar. Para nós como fãs da cultura club, isso foi um grande elogio para nós. E eles viram o que o rock ´n´ roll pode fazer quando sai do chão. Isso realmente decolou. Miami foi incrível. Eu amo aquela cidade. Aquela noite estava quente e úmida em todos os sentidos.

Larry: As músicas novas funcionaram com as músicas velhas. Foi quase que sem nenhum remendo. Era como se estivéssemos nos conectando novamente com o nosso público e eles com a gente.

Adam: O Bono entrava no palco passeando, como nos velhos tempos. Nós estávamos tocando ´The Fly` e de repente ele sumiu. Tudo que se podia ver era uma onda se movendo pela platéia à medida que ele corria para trás do salão.

Edge: É assim que um show ao vivo deve ser. Deve ter a sensação de que qualquer coisa pode acontecer.

Bono: Eu tentei ir embora e pegar um táxi. Mas eu não consegui um táxi, então eu tive que voltar. Eu corri pela platéia para trás da arena e depois tive que correr tudo de volta para voltar para o palco, perseguido pelos seguranças e pelo que parecia ser pela metade do público. É claro que eu não podia contar para banda que eu estava planejando uma coisa dessas, porque senão eles iriam me impedir. Eu realmente acredito que esse é o meu trabalho, atacar a distância entre o artista e a platéia. Escalar as colunas das caixas de som ou mergulhar na platéia, é tudo a mesma idéia. E, se eu posso ser modesto, tendo isso em mente o U2 reinventou o show de rock diversas vezes, do B-stage para ZooTV e para o coração da Elevation. Agora, o B-stage é onipresente, mas eu tenho tentado fazer isso desde a metade dos anos oitenta. A coisa que fez isso possível foram os monitores que colocamos dentro do ouvido. Quando você tem o controle do seu som através de fones de ouvido sem fio, isso acaba com aquele atraso que ocorria quando você ficava em frente a uma grande PA. Assim, a tecnologia muda o formato de um show de rock, se você quiser isso. O coração era fantástico. O único problema era que alguns dos nossos fãs mais ardentes nos seguiam de show em show. Então, em qualquer cidade que nós tocássemos teriam as mesmas pessoas na nossa frente, o que era um pouco desorientador. E quando nós tentávamos ter certeza que pessoas locais estariam dentro do coração, havia um motim. Todos eles sentaram em Boston, no meio do coração, porque sabiam que a gente ia gravar o show. Eles achavam que eles não eram fotogênicos e por isso nós estávamos tentando tirá-los de lá. Era só porque nós queríamos tocar em frente a uma nova platéia. E ainda tem muita confusão em relação a isso.

Edge: O Joey Ramone morreu em 15 de abril. Nós tocamos ´I Remember You` do The Ramones em homenagem à ele naquela noite. Nós a tínhamos tocado no show de aquecimento no Irving Plaza em Nova York antes da turnê começar. Para nós havia um clima de nostalgia ao tocar em um clube em Nova York, isso nos levou para onde nós tínhamos começado e a referência aos Ramones era para demonstrar a influência que eles tiveram sobre nós. O Joey leu sobre isso e depois, quando nós estávamos tocando no Saturday Night Live, alguém bateu na porta do nosso camarim e lá estava ele. Ele obviamente conhece pessoas que conhece pessoas. Nós estávamos maravilhados por ele ter ido lá falar com a gente. Ele pareceu um pouco abatido, você poderia dizer que ele não estava com a sua melhor saúde. Então nós nos acomodamos e tivemos ótimos momentos conversando com o Joey e lhe contando as nossas histórias de quando estávamos começando, tocando as músicas dos Ramones e fingindo que eram nossas nos programas de TV. Nós lhe dissemos que não pudemos comprar os ingressos para assistir os Ramones quando eles tocaram em Dublin em 1978, mas que um dos nossos amigos foi e abriu a porta de emergência para que nós pudéssemos ver a segunda metade do show de graça. E esse foi simplesmente o melhor show que nós já vimos. O Joey adorou todas essas histórias. Alguns meses depois nós descobrimos que o Joey estava em fase terminal da sua doença. Nós ficamos arrasados quando ele morreu, porque nós éramos grandes fãs e tínhamos acabado de conhecê-lo, ele era muito mais do que nós imaginávamos. Escutamos por um amigo bem próximo dele, que ´In A Little While` era a música do U2 que ele mais gostava e no período em que ele estava definhando, no hospital, ele pedia para tocar essa música. E obviamente isso significou muito para ele. E então, pelo resto da turnê, nós dedicamos ´In A Little While` para o Joey.

Bono: Ali e eu tivemos a nossa quarta criança, um filho, John Abraham, em Dublin em 20 de maio. Eu tive um intervalo de cinco dias da turnê, que foi um alívio para os nervos. Se o bebê tivesse chegado antes ou depois, eu teria perdido a chegada do John ao mundo. Mas ele acertou bem no alvo. Assim, tinha nascimento e tinha morte também, todo esse negócio. Joye Ramone morreu. Meu pai estava morrendo. Parecia que era para onde nós estávamos indo, bem, o Larry e eu. Essa era a fornalha onde o U2 tinha sido esquecido.

Edge: A saúde do pai do Bono tinha se tornando um grande problema, bem no momento em que nós começamos a fase européia da turnê, em julho. Estava claro que o Bob estava adormecendo muito rapidamente. Não era uma questão de se ele estaria por perto até o final da turnê, mas quanto tempo ainda ele tinha. O Bono enfrentou decisões muito difíceis de cancelar ou não os shows. Estamos falando da oportunidade de permanecer mais tempo junto a uma pessoa que não irá mais estar por perto. Para mim era o que se passava na minha cabeça. Eu estava aberto à idéia do Bono dizendo ´Eu preciso desses meses com o meu pai`.

Larry: Foi a primeira vez em vários anos que nós estávamos enfrentando uma situação onde alguém da nossa família estava morrendo. Era difícil saber o que fazer. Todos nós nos reunimos. O Bono abaixou a cabeça e foi. Para nós que conhecemos ele, nós podíamos ver a tensão, o estresse e a tristeza no seu rosto, mas para quem não o conhece parecia que ele estava suportando tudo normalmente. E foi essencialmente isso que ele fez, ele mergulhou de cabeça no trabalho para não afundar.

Bono: Eu podia lamentar e chorar, como os irlandeses chamam, em uma base noturna. A maioria dos problemas com esse tipo de sofrimento é porque as pessoas reprimem os seus sentimentos. Mas eu podia usar essas músicas para me manter são. Eu estava tendo conversas com essas músicas que talvez eu não pudesse ter com pessoas.

Edge: Ele decidiu que ia continuar com a turnê e passar o maior tempo que pudesse com o seu pai. Então, houve vários vôos de volta para casa em Dublin após os shows pela Europa, para ficar ao lado da cama com o seu pai. Ele passava alguns dias no hospital e depois voltava para estrada. Isso foi muito difícil para o Bono. Eu realmente senti muito por ele. Eu acho que os shows se tornaram a oportunidade para ele liberar suas emoções. De alguma forma, foi onde nós vivemos por muitos anos e é quase um processo natural para gente lidar com esses sentimentos através da música e das apresentações. Nós estávamos prontos para fazer o que ele quisesse. O legal foi que ele conseguiu ficar um bom tempo com o seu pai, só eles. E eu acho que isso, o tanto quanto foi possível devido o caráter do seu pai, houve uma sensação de aproximação e paz, e as coisas se tornaram mais compreensíveis entre eles. Eles tinham um amor muito grande entre eles, mas ao mesmo tempo, as formas de cada um de se comunicar estavam em mundos completamente diferentes. Não levando em conta as diferenças de gerações.

Bono: Mais para o final me senti muito próximo dele embora não estivéssemos conversando. Ele tinha o Mal de Parkinson e só conseguia sussurrar, tinha uma desculpa. Dava para perceber que ficava contente com isso. Ele era muito astucioso e conseguia se esquivar de uma conversa melhor do que ninguém. Eu saía dos shows e ia me encontrar com ele. Costumava desenhá-lo, ali deitado com todos aqueles fios e tubos. Outras vezes, costumava ler. Ele adorava Shakespeare. Se eu lesse a Bíblia, ele ficava com olhar carrancudo. Durante a noite dormia em uma cama junto com dele. Era ótimo dormir junto do meu pai, e acho que ele estava orgulhoso de mim.

Ganhei um respeito enorme pelo meu irmão, pois ele era bom em todas as coisas que eu não era. É uma sensação estranha, acabamos nos sentido familiarizados com todo o ambiente em torno da morte depois de termos trabalhado na África, o cheiro pestilento, a devastação, todos os pormenores. Mas no caso da minha família, estava me fazendo recuar, estava fechando o círculo, a me reportar para a morte de minha mãe, e muitas coisas dispararam ao mesmo tempo. Pensei que já tinha ultrapassado tudo, mas estava enganado. O meu irmão é que arregaçava as mangas e fazia o trabalho sujo, da melhor forma que sabia. Eu me limitava a estar presente, e tentar ajudar de outras formas.

Estive presente quando ele disse as últimas palavras. Foi um último suspiro. No meio da noite eu estava deitado ao lado dele, quando ouvi um grito, fui chamar a enfermeira. Ele estava sussurrando alguma coisa e nós aproximamos os ouvidos perto da boca dele. E a enfermeira disse: “Bob, você está bem? O que está tentando dizer? Precisa de alguma coisa?” E ele disse: “Me deixem em paz, me tirem daqui. Esse lugar parece uma prisão. Quero ir para casa”. Não muito romântico, mas revelador. Fiquei com a sensação de que ele queria sair não só daquele quarto, mas também daquele corpo. Algum tempo depois, faleceu. Abandonou o palco.

Adam: Íamos atuar quatro noites no Earl’s Court, em Londres. Bob faleceu na madrugada do dia 21 de agosto. Nessa noite demos o terceiro show. Se o Bono tivesse cancelado o show, não teríamos nos oposto. Mas conhecendo o Bono como eu conheço, parti do principio que ele ia querer fazer o show. Ele acredita no incluir as pessoas em tudo o que acontece. Creio que achou que o lugar dele era no palco, expressando a sua dor através da música e tendo o público como testemunha. Não acredito que ele conheça outra forma de agir. Acho que passar uma noite em branco, em silêncio, não teria sido melhor para o Bono.

Edge: Foi um show muito intenso. É óbvio que minha principal preocupação era o Bono e saber se ele estava em condições de se apresentar. Mas ele se saiu muito bem. E acho que isso até o ajudou. Ele próprio tinha consciência disso, e talvez por esse motivo, quis seguir em frente com o show.

Larry: Estávamos todos preocupados com ele, mas tinha tudo sob controle. Nós apenas nos limitamos a ampará-lo ao máximo. O Bono é um individuo muito complexo e muitas pessoas não teriam sido capazes de fazer o que ele fez. E o fato de ter conseguido seguir em frente só prova a sua força e a sua personalidade. E eu sei que era isso que o Bob queria que tivesse acontecido. E o Bono sabia disso.

Bono: Eram as músicas que me mantinham à tona. Eu me agarrava com muita força a essas músicas.

Adam: Em uma situação daquelas o mais importante não são as palavras, mas sim dar o máximo de apoio possível ao nosso amigo. Era uma situação de estar feliz por ser útil. Acredito que foi um alívio para todos nós, poder fazer os shows em vez de ficarmos sentados no quarto do hotel pensando no que tinha acontecido.

Bono: Fomos nós que o enterramos. Fui eu e meu irmão que fechamos o caixão. Não deixamos que fossem os coveiros. Foi um funeral muito bonito. Todos cantaram ‘The Black Hills of Dakota’. Take me back to the back hills, the back hills of Dakota. Foi agradável. Eu cantei uma música nova na qual estava trabalhando. ‘Sometimes You Can’t Make It On Your Own’.

Paul: Foi muito comovente. Os membros da banda também tinham ido ao funeral dos meus pais. Levam-se anos para esquecer uma coisa daquelas, ou talvez nunca se esqueça. A relação do Bono com o pai era complicada e nunca foi tranqüila. Eles eram muito parecidos. Embora ele nunca o dissesse, tenho certeza de que tinha muito orgulho do Bono. Não entendo porque razão nunca tivesse falado isso.

Larry: Eu gostava muito do Bob. Ele tinha senso de humor muito apurado e gostava de uma boa gargalhada. Quando surgia oportunidade, eu sentava ao lado dele e ficávamos bebendo e conversando. Era, notoriamente, um homem de Dublin, um homem forte, um verdadeiro irlandês da classe trabalhadora. Adorava teatro e ópera. Nos seus últimos cinco anos de vida, se tornou bastante elegante. Começou usar gravatas, com um visível sentido de orgulho em si próprio. Depois de ouvir todas aquelas histórias que aconteciam na casa da família Hewson, até era engraçado ver os dois juntos. Viu sempre o Bono como seu filho pequeno, não via o rock star. Era do gênero: “Ele é meu filho, merece um puxão de orelhas”. Era assim que ele se comportava com o Bono por perto. E embora não tenha falado ao Bono, eu sei que se orgulhava do trabalho da banda. Mas ele também gostava de meter a boca, só porque lhe apetecia, com um riso dissimulado. Gostava muito disso nele e sinto falta do humor dele.

Adam: Tenho que confessar que foi muito difícil ver o enterro e depois fazer o show. Estávamos de volta a Dublin para os maiores shows de toda a turnê, duas noites no castelo de Slane, mais de 180 mil pessoas. No dia antes do primeiro show, 24 de agosto, assistimos ao funeral em Howth e fizemos uma despedida afetuosa. Mas senti que isso se prolongou e como uma ressaca, permaneceu até o dia seguinte e até o show. Tínhamos atravessado uma fase de sucesso, tínhamos vivido grandes momentos e quando o Bob foi enterrado, um desânimo se instalou geral. Eu sentia que precisava de alguma meditação, de tranqüilidade distante de tudo. E isso não aconteceu. Tivemos logo outro show no dia seguinte e tivemos que lidar com tudo de uma forma muito pública, pois tinha sido um acontecimento importante na Irlanda e todos que estavam presentes sabiam o que tinha acontecido. Eu sou diferente do Bono, a minha química é diferente. Eu me sentia muito vulnerável. Não me sentia protegido por uma armadura e por isso, foi um show muito difícil. Mas deve ter sido mais fácil para ele.

Bono: Em um lugar como o castelo de Slane. Onde há um crisol de gente, um show pode ser um evento sacramental.

Larry: Já não tocávamos lá fazia 20 anos. Foi emocionante voltar a nossa terra natal e nos apresentar para tanta gente. Mas o funeral do Bob marcou o fim de uma era e atenuou aquela grande ocasião. O segundo show, uma semana depois, foi totalmente diferente. A equipe de futebol irlandesa ia jogar a eliminatória para a copa do mundo contra a Holanda, em Dublin. Fui assistir ao jogo na Lansdown Road e depois levado de helicóptero para o show. Foi uma viagem e um dia fabuloso. O jogo passou nos telões do castelo, por isso, se a Irlanda tivesse perdido, podíamos ter tido confusão. Mas a Irlanda derrotou a Holanda por 2X0. A Holanda tinha uma equipe com jogadores bem conceituados que nunca imaginamos que a Irlanda pudesse ganhar. Jason Macintyre marcou um gol incrível. Isso contribuiu para que déssemos um show memorável. Após a tristeza do primeiro, isso foi uma celebração.

Edge: Foi fabuloso. A energia do público era surpreendente. Dava para ser sentida fisicamente.

Adam: Gravamos esses dois shows, para mais tarde fazer um vídeo ao vivo. Mas acabamos usando a gravação do segundo show. Eram completamente diferentes.

Bono: Fizemos uma pausa de um mês durante a turnê. Fui de férias para Veneza, passeei com meu filho, e um dia nos perdemos por uma daquelas ruelas. Fomos até um hotel americano pedir informações. A televisão estava ligada passando notícias. Um avião tinha ido contra as torres gêmeas em New York. Tudo mudou nesse dia.

Paul: Nessa mesma semana íamos colocar os ingressos à venda para a fase final da turnê, outubro e novembro na América do Norte.

Adam: E depois aconteceu o 11 de setembro. Foi uma época muito confusa. As emoções estavam à flor da pele. Ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo na América. Muitas pessoas cancelaram shows.

Paul: O mundo inteiro parecia ter mudado. Nós respiramos fundo, pusemos os ingressos à venda e os shows ficaram esgotados.

Larry: Nós queríamos estar nos Estados Unidos. Era lá o nosso lugar.

Adam: Foi aí que o disco ganhou um novo sentido. A rádio começou a passá-lo de uma forma que nunca tinha sido ouvido antes. Se tornou muito importante para as pessoas.

Edge: Creio que o álbum tem um determinado tom que parecia estabelecer uma ligação com as pessoas depois do 11 de setembro. Transmite uma certa dor, coloca uma das grandes questões, lida com a perda e outros assuntos da vida real. Como conseqüência do 11 de setembro, a América entrou em crise e o álbum serviu de conforto à algumas pessoas.

Paul: De um modo estranho, a turnê do U2 se tornou uma espécie de símbolo daquilo que a América era. Os shows após o 11 de setembro tiveram um caráter completamente diferente, foram transformados pelo que tinha acontecido. Os americanos gostam muito de olhar para o próprio umbigo, se preocupam muito com si próprios. E nessa época enfrentaram um abalo pelo qual o resto do mundo irá pagar até o fim dos tempos. Aqueles shows eram como cerimônias religiosas e fabulosos espetáculos de rock’n’roll. Uma extraordinária corrente de energia e sentimento passa através da banda, através do público e do material. As pessoas vivem indiretamente por meio daquelas músicas e de quem as toca, e isso se tornou bastante explícito nos meses que sucederam o atentado às Torres Gêmeas. Foi fascinante presenciar tudo. Noite após noite, ver músicas subitamente transformadas e carregadas de novos significados.

Larry: ‘Sunday Bloody Sunday’, ‘New Year’s Day, todas as músicas pareciam ter um significado diferente, o público ria e chorava, tudo ao mesmo tempo. Foi uma experiência extraordinária, estar em um palco com todo mundo atravessando um reboliço de emoções, incluindo a banda.

Bono: Era e é um país diferente. É um país que nunca tinha sido invadido. Estava sofrendo do choque. O primeiro choque foi o ataque às torres gêmeas e ao pentágono. O segundo foi o choque conseqüente. O entender que tanta gente, por todo mundo, odiava a América, ver gente aos pulos de alegria na Indonésia e em outros lugares, celebrando o atentado às Torres Gêmeas. Estavam completamente traumatizados, e nós também. Eles são nossos amigos, esse é um país que eu adoro, e todos estavam sofrendo. E o processo que usei para me lamentar cantando essas canções, era o mesmo que eles começavam agora a usar. Tornamo-nos muito próximos do nosso público.

Larry: O U2 sempre teve uma relação especial com Nova York. Foi a primeira cidade onde fizemos show na América. Tinha a ligação com a Irlanda e a magia da cidade em si. Eu e o Adam tivemos um apartamento em Nova York por mais de 10 anos. Recentemente o Bono também comprou um lá. Sempre a consideremos como uma segunda casa.

Edge: Quando chegamos a Nova York, os shows assumiram um caráter completamente diferente. Não eram mais shows de rock’n’roll, eram uma espécie de sessões de terapia em grupo.

Adam: Nova York era uma cidade abalada. Quando nos apresentamos no Madison Square Garden, parecia que as pessoas saiam de suas casas e se preparavam para baixar as armas durante uma hora e meia. Foram shows incríveis.

Edge: O nível de emoção no local era inacreditável. Acho que não havia ninguém que não tivesse com lágrimas nos olhos, incluindo os membros da banda. Foi incrivelmente emocionante poder fazer parte disso.

Adam: Catherine Owens sugeriu que enquanto tocava a música ‘Walk On’, fossemos lendo em voz alta o nome de todas as pessoas que ficaram desaparecidas após os atentados de 11 de setembro. Foi um momento muito intenso e catártico. As feridas ainda eram muito recentes e um público deve ter uma certa confiança em nós, para permitir que façamos determinadas coisas. E aquele público tinha confiança em nós e se mantiveram do nosso lado.

Bono: No Madison Square Garden, as luzes acenderam durante ‘Where The Streets Have No Name’ e havia cerca de 10 mil pessoas com lágrimas escorrendo pelo rosto. E eu disse que estavam todos muito bonitos, o que mais tarde veio a se tornar um verso de ‘City of Blinding Lights’.

Edge: No final do show, componentes do corpo de bombeiros subiram ao palco. Deu certo de estarem ali, não foi nada planejado. Muitos deles tinham perdido familiares e amigos chegados.

Bono: O U2 sempre foi uma banda apreciada pelos bombeiros e policiais da América, pois muitos deles têm raízes irlandesas. Lembro que um deles pegou o microfone e falou: “Dedico isso ao meu irmão John. Nós tínhamos uma banda de rock. Obrigada John. Eu sempre disse que um dia íamos subir no palco do Madison Square Garden”. E depois gritou: “E Nova York, saberás onde nos encontrar se precisarem de nós! Basta ligar 911”. Foi nesse momento que percebi a ironia daquela data. Chamada de emergência – 911.

Edge: Foi um grande evento para Nova York. Nós éramos apenas a trilha sonora de uma cidade que atravessava uma fase de luto a aprendia a lidar com o sentimento de perda. E a música acabou sendo uma espécie de calmante. Estávamos felizes por estar ali e podermos ser úteis. Foram shows especiais por motivos absolutamente lamentáveis.

Bono: Estava sentando em um dos meus lugares preferidos em Nova York, Balthazar, uma espécie de brasserie. A polícia se aproximou do meu carro e estava prestes a mandar meu motorista sair daquele lugar. Ele virou-se para um dos policiais, e de forma deselegante diz: “Não posso ficar aqui? O Bono esta ali dentro”. E eles disseram: “O Bono? Precisamos falar com ele”. Entraram e me disseram: “É o seu carro que esta ali fora?” E eu disse: “Peço imensas desculpas”. Eles viraram e falaram: “Oh, pode estacionar onde quiser. Queremos falar sobre seu trabalho na África”. E o outro policial disse: “Eu estava nas Torres Gêmeas quando caíram”. Tinha estado lá com um padre franciscano, que morreu ao ficar preso aos escombros depois de ter tirado o capacete de proteção para dar a extrema-unção a um bombeiro que tinha falecido. Disse-me: “Só quero que saiba que a América tem que mostrar ao mundo quem somos nós. Temos que mostrar as pessoas que queremos ajudá-las e que não somos o inimigo”. Um policial que tinha perdido amigos no 11 de setembro era a última pessoa de que se esperaria uma observação daquelas. Foi um momento muito importante para mim. Havia uma cólera no ar. Mas acho isso normal. As pessoas tinham o direito de se sentir revoltadas. E eu queria dar a elas um lugar para onde canalizarem essa fúria. Era importante naquele momento falar de intolerância e relembrar às pessoas de que os muçulmanos na América não deviam ser tratados com a mesma severidade que esses extremistas. Espero que tenhamos conseguido cumprir o nosso papel.

Edge: Lemos a lista dos nomes dos mortos e desaparecidos durante o intervalo do Superbowl, em fevereiro de 2002. Tocamos ‘MLK’, mas a lista era tão extensa que se prolongou até mais da metade de ‘Where The Streets Have No Name’. Foi a ultima coisa que fizemos. Foi o final de uma grande turnê, e uma espécie de retorno de tudo, o restabelecer do núcleo. Penso que foi uma época importante para todos.

Bono: O Superbowl foi um grande momento para o U2, quase como no programa de Ed Sullivan, 20 anos antes. Tivemos que mostrar aquele cenário em seis minutos. Eu tinha um auricular e um microfone controlados por rádio. Ao mínimo erro, saíamos do ar. Foi assustador, mas a única coisa que se consegue ver é a minha expressão habitual quando estou apavorado – um grande sorriso forçado. Mas foi um grande momento. Toda a turnê. Apaixonamos-nos novamente pela América e a América por nós.

*Páginas 304, 306, 310 e 311 - Fotos

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